Dois Lobos do Coração

blog_16_02_postCerta vez, ouvi uma história sobre uma índia anciã americana, a quem se perguntou como havia se tornado tão sábia, feliz e respeitada. Ela respondeu: “Em meu coração, vivem dois lobos: um lobo do amor e outro do ódio. Tudo depende de qual deles eu alimento a cada dia”. Essa lenda me dá certo arrepio. É, ao mesmo tempo, despretensiosa e esperançosa. Primeiro, o lobo do amor é muito estimado, mas quem de nós também não possui um lobo do ódio dentro de si? Ele está presente tanto em guerras distantes quanto ao nosso redor, na ira e na agressividade que dirigimos até mesmo a quem amamos. Segundo, a história sugere que todas as pessoas são capazes com base em ações cotidianas – de estimular e fortalecer a empatia, a compaixão e a bondade e também de dominar a hostilidade, o desprezo e a agressividade. O que são esses lobos e de onde vêm? E o que devemos fazer para alimentar o lobo do amor e matar o do ódio? 

Essas e outras perguntas são respondidas no capítulo 8 do Livro O Cérebro de Buda, aqui quero compartilhar apenas alguns trechos que considero importante para a reflexão do tema proposto. Espero que gostem e ao final deixe seus comentários para enriquecermos a discussão.

“O lobo do amor enxerga um vasto horizonte, com todos os seres fazendo parte do círculo “nós”. Esse círculo encolhe para o lobo do ódio, de modo que apenas seu país, sua tribo, seus amigos ou familiares – ou em caso extremo somente ele mesmo – são considerados “nós”, cercados por multidões ameaçadoras de “outros”. Na verdade, às vezes o círculo fica tão pequeno que uma parte da mente tem ódio da outra parte. Por exemplo, já tive pacientes que não conseguiam se olhar no espelho porque se achavam muito feios. Existe um ditado zen segundo o qual nada fica de fora da consciência, nada fica de fora da experiência, nada fica de fora do coração. Conforme o círculo diminui, surge naturalmente a questão: o que é deixado de fora? As pessoas do outro lado do mundo, seguidoras de outra religião, ou os vizinhos de cujas opiniões políticas a pessoa discorda? Ou parentes complicados, ou velhos amigos que a magoaram? Poderia ser qualquer um que seja considerado inferior ou que seja usado apenas como um meio para determinado fim. Assim que alguém exclui uma pessoa do círculo do “nós”, a mente/cérebro automaticamente começa a desvalorizá-la e a justificar o tratamento inadequado de sua parte (Efferson, Lalive e Feh 2008). Isso deixa o lobo do ódio agitado e em movimento, a uma pequena distância da agressão ágil. Pense em quantas vezes por dia alguém fica de fora do círculo, sobretudo de maneira sutil: “Ele não é da minha classe social”, “Não é meu tipo” e assim por diante. Note o que acontece em sua mente quando você se livra conscientemente dessa distinção e, em vez disso, se concentra no que existe em comum entre você e outro, o que os torna “nós”. Ironicamente, uma resposta para “O que ficou de fora?” é o lobo do ódio em si, que costuma ser renegado ou subestimado. Por exemplo, não fico à vontade ao admitir que me sinto bem quando o mocinho mata o bandido em um filme. Querendo ou não, o lobo do ódio está vivo e bem dentro de cada um de nós. É fácil ouvir a notícia de um assassinato horrível em outro estado ou de um ato de terrorismo e tortura do outro lado do mundo – ou mesmo de formas mais amenas de maus-tratos contra pessoas conhecidas – e balançar a cabeça, pensando: “O que há de errado com essas pessoas?” Só que essas pessoas, na verdade, somos nós. Todos nós temos o mesmo DNA básico. Não reconhecer a agressividade como parte de nossas características genéticas constitui certa ignorância – que é a raiz do sofrimento. De fato, como vimos há pouco, os intensos conflitos entre grupos auxiliaram a evolução do altruísmo em cada grupo: o lobo do ódio ajudou a dar à luz o lobo do amor. O lobo do ódio está profundamente incrustado no passado evolutivo do homem, bem como no cérebro de cada pessoa atualmente, pronto para se manifestar diante de qualquer ameaça. Ser realista e honesto a respeito dele – e de suas origens impessoais, evolutivas – faz surgir a compaixão por si mesmo. Seu lobo do ódio precisa ser amansado, é certo, mas não é culpa sua se ele fica à espreita nas sombras de sua mente, e ele provavelmente o aflige mais do que qualquer pessoa. Além disso, admitir sua existência incita uma prudência muito útil em situações nas quais você se sente maltratado ou agitado (discutir com o vizinho, disciplinar uma criança, reagir a uma crítica no trabalho) –, e o lobo começa a acordar.

Amor e ódio vivem e se embolam em todo coração, assim como filhotes se engalfinhando em uma gruta. Não dá para matar o lobo do ódio; a aversão contida em tal atitude, na verdade, criaria aquilo que você está tentando destruir. Mas você pode vigiar o lobo com cuidado, mantê-lo preso e limitar seus sobressaltos, seu senso de justiça, descontentamentos, ressentimentos, desprezos e preconceitos. Ao mesmo tempo, alimente e estimule o lobo do amor.”

*Texto extraído do Livro: O Cérebro de Buda | De Rick Hanson com Richard Mendius.

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